Luís Filipe Parrado. Uma questão de sobrevivência




Esta editora tem vindo a especializar-se em poetas sonegados, esses que independentemente do seu percurso anterior, ou até da singularíssima força daquilo que escrevem, aceitam ser integrados num catálogo que funciona como uma zona degredada, reconhecendo como o conjunto de motivos imbricados e mesquinhezes que promovem um regime de silêncio à volta de certos autores acaba por assinalar uma força específica que é preciso sujeitar a um perímetro de isolamento. Contribui para isto, como saberão os que estão minimamente familiarizados com o nosso anémico ambiente cultural, um misto de cobardia, os habituais interesses de sobrevivência ou de promoção social de uma mesma seita, que funciona segundo o regime da desbragada ostentação, sendo composta quase exclusivamente por artistas de segunda, tão presunçosos quanto incapazes de se sustentar nalgum tipo de confronto de ideias, e que assim se garantem reservando o espaço, observando um recolher obrigatório mal os outros saem e fazem das ruas uma pauta para a sua música de lobos. Seja por que motivo for, o facto é que se eu continuasse a não dar nota crítica de alguns dos autores que editei na Língua Morta, sobretudo quando surge a oportunidade de me debruçar sobre títulos saídos com outros selos, grande parte destes autores veria os seus livros simplesmente apagados, sujeitos a um vazio ainda mais repugnante e pernicioso do que se fossem queimados de forma a manifestar a sanha com que tanto se tem feito para puni-los por integrarem este catálogo.

De qualquer modo, deve reconhecer-se que, face ao regime da recepção hoje em vigor, talvez convenha passar sem se fazer notar por esses, esquivar-se o mais possível a essas atenções degradantes e que tantas vezes só são capazes de se relacionar com o que é acessório, irrelevante. Contudo, é certo que isto condena muitos autores, porventura até nos seus esforços mais notáveis, a prosseguirem a sua actividade sem obterem qualquer eco crítico, e nem um confronto decisivo que lhes permita compreender qual é o reflexo que lhes escapa e se produz na mente de um leitor mais empenhado. Seria assim injusto deixar que o terceiro livro de um poeta que acompanhou esta editora desde as suas primícias, e até mesmo desde a revista que a antecedeu, não pudesse conhecer qualquer esforço de uma leitura crítica nestes moldes. Por essa razão, abandono o lugar do editor para encarar como a um estranho este autor, sendo certo que todo o discurso poético só se afirma enquanto tal a partir do momento em que nos chama para um diálogo de algum modo inesperado, incalculável, afastando-nos de uma posição de familiaridade. Como assinalava Manuel Gusmão, que vim a saber já depois da sua morte que foi orientador de Luís Filipe Parrado no seu percurso académico, a poesia “tem a ver com a desautomatização da percepção, com a variação dos horizontes em que vemos, buscamos ou desejamos coisas e processos do mundo, com a auscultação e a suscitação de formas de vida”… 

Tentarei mostrar como isto descreve bem o registo poético deste poeta, de quem publicámos várias edições do seu primeiro livro, “Entre a Carne e o Osso”, (o primeiro título do autor se ignorarmos a edição de "Tundra", livro que obteve, em 1988, um prémio da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e que foi publicado por esta quando o autor tinha 19 anos), uma edição (praticamente esgotada) do segundo, “Roma Não Perdoa a Traidores”, e agora este “Museu da Angústia Natural”, tendo pelo meio publicado duas exuberantes antologias de poesia de diversos poetas de todo o mundo nesta casa, e ainda uma magnífica antologia de poesia suíça e outra de poesia norte-americana, estas duas na Editora Contracapa.

Não sendo um desses poetas que reivindicam para o seu estilo a necessidade de “poses majestosas e violentas” (Baudelaire), Luís Filipe Parrado faz parte de um núcleo de autores que se debatem contra uma deserção da poesia no seu valor de transmissão de certos valores e experiências que permitem estabelecer com o mundo a apreensão de uma beleza que tem algo de eterno e de transitório, e que a poesia tenta capturar através de formas que ajudam a complementar os nossos sentidos, “os cinco e os outros” (Gusmão).

Apesar de confiar nos rudimentos desta arte, damos por repentinas inflexões do verso nesta poesia, a qual escapa à eloquência e ao registo mais enfático, àquela retórica meio alucinada e dramática, preferindo alcançar a percepção intensificada que caracteriza a verdadeira poesia, por meio de observações lúcidas e de um concerto desses estridores e asperezas que o mundo nos traz, aceitando-o, o mundo, enquanto exemplo, de tal modo que a métrica se distende até desaparecer, ficando apenas a sensação de um registo vigiado, e que se mantém fiel a um ritmo que embala o puro enunciado.

Há aqui uma coincidência entre prosa e canto que, não sendo hoje algo de irregular, consegue alcançar um nível de depuração exemplar, servindo-se das palavras mais nuas, de uma devoção séria e absorta pelos aspectos em que o mundo se revela, e por uma certa homofonia entre língua comum e língua poética. Estamos, assim, perante um registo de factos quase banais, mas que são inscritos e relevados a um ponto em que se tornam mitos. Há uma séria implicação do autor nos textos, de tal modo que a revelação da realidade se apresenta como irredutível a termos estéticos e o trauma ou as experiências mais significativas e marcantes não parecem absorvíveis nem traduzíveis de acordo com um programa meramente literário. Há por isso, nesta poesia, uma capacidade de identificação com todos os aspectos da vida vivida, mas conseguindo evitar um excesso de intencionalidade, deixando-se guiar pela tal inocência, sobretudo no modo como aqui a língua comum e humilhada encontra modulações de canto, não propriamente por meio de efeitos formais, mas do próprio sentido, desse irromper do discurso quotidiano como um discurso poético que se libertou dos artifícios retóricos mais efusivos, sem abdicar de uma tenacidade lúdica, e de um firme convívio com a tradição. É uma poesia em que as alusões e citações, a chamada intertextualidade, está sempre presente, mas da forma mais discreta, evitando que o leitor se sinta empurrado para um labirinto de ecos, da mesma forma que o não enreda na exacerbação da técnica, tentando impressioná-lo e fazê-lo render-se a esse fetichismo processual, à mistura de planos linguísticos e línguas diversas e antigas, a uma sintaxe alógica, a toda essa massa de armamentos sofisticados e ao jogo de palavras que acabam por já não dizer-lhe nada.

Esta poesia é avessa a todos esses modos de exibição, aos reflexos nervosos de uma erudição desgastante, preferindo a sobriedade, um registo mais “limpo”, e em oposição a essas propostas que passam sempre por entender que a poesia vive da exacerbação da técnica. Luís Filipe Parrado está mais perto de um “Grande estilo”, no sentido em que o define o linguista italiano Gian Luigi Becaria, o qual não representa necessariamente um discurso orientado para a eloquência, a forma elevada, mas que significa antes de mais organizar o pulular dos detalhes em favor de uma essencialidade. Diz-nos que o “Grande estilo” é, pois, o avesso da audácia exibicionista, do arbítrio gramatical, de experimentalismos. Passa por uma inserção numa continuidade, e uma certa desconfiança quanto à transgressão e à ruptura que se produzem quase alheadas não só face ao passado mas, e ainda, em relação à própria experiência que se relaciona com a vida. E, por isso, é uma poesia como presença de um centro, afastando-se de um certo esoterismo que torna possível armar tudo segundo as conveniências do artesanato estilístico. Há como que uma modernidade dolorida, entre o riso e o pranto, o luto e a celebração da existência, da criação.

Seguindo pela margem oposta ao desse grande dispêndio de artifícios metaliterários, Parrado prefere estabelecer um pacto de entendimento com o leitor em relação a referências e percepções que nos devolvem a experiência directa do mundo. Assim, o trabalho oficinal está ligado a uma busca do rigor, da composição paciente que, por sua vez, abre espaço ao brusco surto do acaso, a um elemento de inspiração e fascínio.

A poesia volta a surgir assim como uma arte da representação, da clareza expressiva, e impõe-se como um intervalo na correnteza de tudo o que nos assedia e acossa, uma interrupção do espectáculo que vai dilacerando o mundo, dando cabo do desejo. E isto ao ponto de, hoje, a maioria das pessoas que buscam nutrir-se de algum ímpeto de ordem cultural gravitarem para esses discursos que oscilam entre um registo eufórico e um registo apocalíptico, assentes muitas vezes no pressuposto da constante fuga em frente e da perda de todas as referências estáveis. Damos por nós como náufragos desta civilização que fez da catástrofe um modo permanente, em que cada instante do presente é vivido num estado de transição inteiramente precário, sem densidade própria.

Foi isto o que levou o escritor austríaco Hermann Bahr, num passo central do ensaio “Die Moderne”, de 1890, a definir a condição actual como uma espécie de limbo entre algo que finda e uma outra coisa que tarda em começar: “Pode ser que tenhamos chegado ao fim, ao fim da humanidade exausta, e que estes sejam apenas os últimos estertores. Pode ser que estejamos no início, a assistir ao nascimento de uma nova humanidade, e estas sejam apenas as avalanches da Primavera. Ascendemos ao divino ou precipitamo-nos, precipitamo-nos na noite e na destruição – mas parar não há.”

De algum modo, para criar um sentido e arrestar o fluxo do tempo de modo a que nos pudéssemos situar nas nossas próprias vidas, foi preciso abandonar aquela rejeição selvagem da tradição e até dos sentidos institucionais da arte, para resgatar certos valores estéticos herdados do passado, e foram surgindo assim um conjunto de artistas menos exaltados, comprometidos antes de mais com a noção de que, em lugar de superar fosse o que fosse, seria mais útil se o artista pudesse tornar-se um “mestre da repetição”, capaz de se articular produtivamente com o que já foi dito para, parafraseando António Ramos Rosa, dele desentranhar tudo o que está por dizer.

Servindo-nos de um ensaio de António Sousa Ribeiro, em que este se debruça sobre dois autores decisivos da modernidade vienense, Karl Kraus e Hugo von Hofmannsthal, é importante sublinhar aqui quando nos explica como o primeiro se serviu de uma auto-caracterização irónica enquanto “epígono”, mas reclamando uma atitude activa e transformadora essencialmente estruturada pelo presente – “um presente que ganha sentido pela capacidade do artista de se relacionar com o passado e construir, deste modo, um quadro de referência que lhe permita escapar ao vazio do tempo na modernidade”. Como sintetiza Sousa Ribeiro, a insubstancialidade do tempo rouba ao sujeito a sua identidade e deixa-o não apenas fragmentado e perdido, mas também à mercê de todos os perigos. E parece-me que o esforço para apontar para uma noção utópica de um tempo prenhe de sentido, Kairos e não Chronos, num sentido muito próximo do conceito benjaminiano de iluminação profana, nos é bastante útil ao tentar compreender esse esforço que há nesta poesia para que o sentido, esse vínculo entre emoção e razão, possa desencadear uma sensação de um “tempo pleno de presente”.

“Demoro-me na contemplação/ do desastre”, assim começa este livro, e pressentimos um efeito de deslocamento em torno de um cenário de ruínas, e, ao mesmo tempo, “aquela distância de tudo a que comummente se chama a decadência”, como nos diz Bernardo Soares. Mas há aqui um subtil efeito de ironia, uma recusa em aderir ao espectáculo de agonia, uma espécie de dever de contrariá-lo: “O meu dever é/ dedicar-me// a ofícios mais propícios,/ mais seguros/ do ponto de vista social,// mas, sem esmeril,/ resta-me aguçar/ nos ossos o gume/ de certas navalhas.”

No fundo, cabe à poesia contornar toda a narrativa que se impõe como uma ficção esgotante, irrefutável. A dificuldade de ser passa por exigir de si e dos outros que possam ainda caminhar por esta terra muito perto da Origem, esse tempo prenhe de sentido, porque a vida acaba por pertencer àqueles que se alheiam e, por não acreditarem, pela falta de fé, adquirem um gozo profano, marimbam-se para esse apocalipse estável que se tornou a condição comum e o regime da consciência nas nossas sociedades tão desenvolvidas quanto dominadas por uma clausura íntima.

“A verdade é que um dia destes/ morro: com o espinho da vida atravessado/ na garganta.// A verdade é uma surpresa/ comum, definitiva,/ que devo desvelar agora./ Ainda que a desconheça completamente.” Há nestes versos uma noção frágil e, por isso, tão cativante de que o sentido só pode ser algo que nos escapa, que nos permite um vislumbre e ao mesmo tempo se esquiva, e por aqui se percebe também como Parrado está próximo de um outro poeta português recentemente desaparecido, para quem o desastre contemporâneo se prende, como assinalava Bernardo Soares, a uma perda total da inconsciência, “porque a inconsciência é o fundamento da vida”. Este poeta mais velho, também ele um magnífico tradutor, é Manuel Resende, que num livro com o sugestivo título “O Mundo Clamoroso, Ainda”, publicado em 2004, ou seja, há quase vinte anos, sublinhava esta noção no poema “Uma palavra”: “Longe de mim querer corromper a juventude,/ É um trabalho que sobreleva as/ Minhas capacidades./ Antes cicuta./ Mas tenho que explicar o sentido/ Da palavra 'desesperança'.// É uma esperança negativa./ A gente senta-se num cais/ E deixa o sol trabalhar./ O sol minúsculo, isto é, o calor na pele./ Chamo a isto a experiência mínima.// Feito isto:/ Venha de lá então/ Essa catástrofe.”

Muito próximos na busca de uma organização dos detalhes em favor de um certa essencialidade, estes dois ainda estão ligados pela atitude irónica, pelo fermento subtil que a intertextualidade traz aos seus poemas, pelo recurso ao humor, e também pelos aspectos formais, nesse encostar do discurso quotidiano ao canto, a um fascínio diante das coisas mais simples e que são tomadas de um enlevo clamoroso. São poetas que cumprem um destino virado para a espantosa inconsciência, vingando-se da falta de perspectiva da sua época através de uma espécie de burla, de recuperação desses elementos mínimos e fragorosos que a realidade traz aos nossos sentidos, como esse fruto de morder todas as horas de que falava Al Berto.

E entre esses hinos que sustentam a experiência mínima, a capacidade de trepar pelos sentidos aos lugares mais elevados, e que, sem deixarem de ser comuns, nos oferecem uma outra perspectiva sobre as coisas.

Vamos então a um poema sobre árvores, cujo título é “Agarradas pelas raízes por onde circula a seiva”. “As árvores não precisam de sair/ do mesmo sítio/ para saberem o que se passa./ As aves e o vento trazem-lhes todos os detalhes./ Tomara ser como elas, ter/ os dois pés fincados na terra, ramificados./ E o peito, os braços, os dedos estendidos./ E aceitar como uma dádiva serena/ a prepotência da luz, a secura e a chuva,/ as pancadas do vento. Com a certeza de que,/ mais cedo ou mais tarde,/ as aves se sentiriam suficientemente/ à vontade para virem pousar/ na minha cabeça, nos ombros, começando/ depois, aos poucos, na sua linguagem irrecusável,/ a dar-me conta das coisas/ verdadeiramente vulneráveis/ que laceram a vastidão dos continentes/ e nunca estão na ordem do dia.”

No fundo, hoje mais do que nunca, cabe ao poeta dar as notícias de um mundo que se perdeu debaixo da desolação do espectáculo, essas relações ancestrais e que foram preteridas, esses elementos constituintes da experiência mínima, que podem alterar a nossa percepção do mundo em que vivemos ou do lugar que nele ocupamos, mas que não serve para os cabeçalhos, não se oferece às parangonas dos jornais, não favorece essa ânsia de consumir o nosso descontentamento.

“Todas as épocas, todos os costumes, dos mais chatos aos mais prodigiosos, continuam a existir no planeta”, notava Cesariny, explicando que, se nos passam despercebidos, talvez seja porque os índios navajos não ocupam a Presidência dos Estados Unidos, os esquimós não caçam no Eliseu e os pigmeus da África Central não escrevam sempre nas páginas do Diário do Notícias. Cabe aos poetas escapar à reportagem universal para garantir que o espanto não perde a sua capacidade de reagir e provocar embaraço à visão convencional do mundo, com o seu efeito corrosivo sobre as definições lapidares, as teorias definitivas. No fundo, procurando impor-se contra a esclerose e o imobilismo triunfantes. E Luís Filipe Parrado faz a sua parte, muitas vezes valendo-se desse convívio fora de horas com outros náufragos, seja roubando ali Cesário, desenhando um trilho de alpista para chamar o corvo de Poe, servindo-se de um conto de Tchékov a que chegou pela mão de Raymond Carver, aproveitando-se de um tema de Brodsky, ou de uma imagem de Juan Vicente Piqueras, apanhando em falso José Emilio Pacheco, dando seguimento a um diálogo entre Nicanor Parra e Charles Simic… Mas antes, na página 18, faz-nos ver porque há um século andava pelas ruas de Praga um tipo que veio inventar sozinho toda uma instância de exame e recurso contra a armadilha da civilização moderna: “Tal como o tratador cuida da ave de rapina,/ com a certeza de que ela/ jamais se deixará domesticar,/ assim Kafka cuida do seu desespero:/ com uma lâmina afiada/ retalha a alma em mil pedaços/ e dá-lhos, tumefactos, ensanguentados, à boca,/ pois o seu desespero é o seu banho sacrificial,/ o agasalho contra a soberba, o pão ázimo sobre a neve,/ o arco de luz que lhe devolve o rosto/ judeu pálido e irreconhecível,/ afinal o seu bem mais precioso.”

A verdadeira tarefa do poeta nos nossos dias passa por dizer essas palavras capazes de deixar um rastro em relação a outras manifestações que impedem o regime de clausura e alienação que leva a que, o mundo, a sua matéria, seja, sob um ponto de vista industrial, um subproduto, uma emanação do aparelho mediático. Detendo o curso das imagens em que vivemos submersos, cabe ao poeta reflectir nos “limites furtivos da representação”, como nos diz Parrado. Uma vez que a verdade é precisamente aquilo que nos escapa. É essa surpresa comum que instiga alguns a uma eterna perseguição. Mas na relação do poeta com a realidade, e na medida em que este se permite estar fora, isolado do regime noticioso, e ao mesmo tempo compreender melhor que o jornalista esses indícios e até o rastro que o devolve à Origem, a prosseguir numa direcção em que o tempo se espacializa, nesses lugares legíveis onde o rumor da existência e os estratos do passado se mostram com uma tal força de presença que tudo ganha para nós sentido. E em face do tal vazio que hoje sentimos, de relatos sobre variações no tempo que servem apenas para nos convencer da condição demasiado precária, ou relativa de tudo quanto existe, o poeta devolve-nos a esse sentido de testemunho e encanto que remete para essa “razão que não perde o sensível pelo caminho” (Francis Ponge).

E, num esforço de contribuir para avaliar “O estado actual da questão”, Parrado diz-nos isto: “Aos ouvidos de alguns o canto dos pássaros/ soa como uma expressão categórica/ do sublime/ Na verdade, ele serve para coisas bem simples e práticas,/ porém vitais para a sobrevivência/ dos indivíduos e das espécies./ Falo de assuntos tão sérios como/ a selecção sexual dos parceiros,/ a defesa do território contra intrusos,/ a identificação de zonas ricas em alimento…/ Na verdade, saber que o canto/ dos pássaros não se esgota em si mesmo/ lança uma luz muito ampla sobre/ este poema. Na verdade, sobre todos os poemas.”

A poesia é, por fim, também um instinto, já não do animal do ponto de vista mais genérico, mas sim dessa função ulterior, desse laço afectivo que se estabelece entre um indivíduo e o mundo, um instinto das noções que se integrou em si, e que nos lembra que a poesia é sempre uma questão de sobrevivência. 

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